Acampar nas margens do rio Kolyma, na Rússia, pode não ser uma viagem desejada para muitos, mas para o virologista Jean-Michel Claverie, isso era essencial para investigar a ameaça emergente dos “vírus zumbis”. Suas recentes descobertas sobre os perigos do aquecimento global têm chamado atenção, especialmente em relação aos solos que estavam congelados há milênios e agora estão descongelando.
Claverie, que tem 73 anos, dedicou mais de dez anos estudando os chamados vírus “gigantes”, e descobriu alguns que datam de quase 50 mil anos nas profundezas do permafrost siberiano. Os cientistas têm alertado sobre a preocupante tendência de descongelamento no Ártico, que poderia estar sem gelo até 2030. Enquanto muitos focam nas emissões de gases de efeito estufa, como o metano, a liberação de agentes patogênicos latentes não tem sido tão discutida.
O descongelamento do permafrost não só traz consigo gases de efeito estufa, mas também micróbios, bactérias e vírus que estavam adormecidos. Além disso, no verão de 2016, uma onda de calor na Sibéria reativou esporos de antraz, resultando em várias infecções e mortes. Outros estudos demonstraram que organismos multicelulares podem sobreviver em um estado metabólico inativo no permafrost, com pesquisadores até reanimando uma lombriga de 46 mil anos.
A possibilidade de organismos antigos retornarem à vida após períodos tão longos é fascinante, mas também preocupante. Por exemplo, o que aconteceria se um vírus que dizimou os neandertais retornasse à vida e infectasse seres humanos modernos? Os solos do permafrost, especialmente na Sibéria, são um tesouro de vida adormecida, oferecendo condições ideais para a preservação da matéria orgânica.
O permafrost na Sibéria, que cobre cerca de dois terços do território russo, pode ter até um quilômetro de profundidade, contendo inúmeras espécies de micróbios.
Entretanto, com o aumento das temperaturas globais, essa camada de solo antes estável começa a mostrar sinais de instabilidade. Grandes crateras de metano têm surgido, e cidades que foram construídas sobre o permafrost estão correndo o risco de afundar.
Em tempos mais recentes, a dinâmica geopolítica gerou desafios adicionais. Planejar viagens para a Sibéria e estabelecer parcerias com laboratórios russos já representava uma tarefa difícil mesmo antes da incursão russa na Ucrânia em fevereiro de 2022. Entretanto, as comunicações com antigos colegas e parceiros no país agora estão praticamente suspensas. O laboratório de Claverie, assim como muitos outros em nações ocidentais, recebe financiamento governamental.
Os impactos do aquecimento global na Sibéria apresentam tanto desafios quanto oportunidades para a economia russa. Calcula-se que o descongelamento do permafrost esteja ameaçando infraestruturas no valor aproximado de 250 bilhões de dólares e já se suspeita que tenha contribuído para desastres ambientais, como o derramamento de petróleo em Norilsk em 2020, à medida que o solo se torna menos estável.
Ao mesmo tempo, a região é rica em recursos naturais, o que torna a mineração uma atividade lucrativa. Contudo, a mineração poderia aumentar a interação humana com agentes patogênicos antigos e potencialmente prejudiciais.
Claverie enfatiza a necessidade de cautela. A possibilidade de contaminação cruzada durante expedições é alta, e alguns defendem abordagens menos proativas. A pesquisa em busca de potenciais ameaças virais pode inadvertidamente desencadear uma nova pandemia. De fato, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional abandonou recentemente um projeto devido a tais preocupações.
Enquanto a ciência e a curiosidade nos levam a explorar o desconhecido, o degelo do permafrost nos alerta para a necessidade de cautela. Claverie sugere que, talvez, seja melhor deixar algumas coisas adormecidas. Enquanto enfrentamos as consequências das mudanças climáticas, é crucial equilibrar nossa sede de conhecimento com a preservação da saúde e da segurança global.