Não é um mistério o número de prejuízos que o uso de cigarros eletrônicos – ou vapes – provocam na saúde. A mais recente evidência sobre o assunto foi publicada na revista científica International Journal of Molecular Sciences e constatou que o aparelho provoca doenças bucais.

De acordo com as informações da Agência Fapesp, o produto altera a composição da saliva de seus usuários, aumentando o risco de doenças como cáries, lesões da mucosa e doença periodontal.
“Esse estudo veio confirmar que os cigarros eletrônicos não são inócuos, não são inofensivos como a indústria quer vender. Os jovens tendem a usar esses dispositivos cada vez mais cedo e o grande problema é que esses aparelhos usam sais de nicotina que chegam muito mais rápido ao cérebro, causando uma dependência maior em um tempo menor”, diz a cirurgiã-dentista Janete Dias Almeida, professora titular do Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal da Unesp e coordenadora do estudo, à Agência Fapesp.
Como o estudo foi feito
Os pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (ICT-Unesp), com a colaboração de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, selecionaram 50 jovens sem alterações clínicas visíveis na mucosa oral, com, em médica, 26/27 anos de idade.
Do total, 25 dos voluntários eram usuários regulares e exclusivos de cigarros eletrônicos há, pelo menos, seis meses. Os demais não utilizavam o aparelho e ficaram no grupo-controle.
Todos os participantes forneceram amostras de saliva para serem feitas análises que incluíram a sialiometria (avaliação a saliva), viscosidade, pH e concentrações de cotinina (um biomarcador associado à exposição à nicotina. Altas doses dessa substância na saliva, urina ou sangue estão ligados a maiores níveis de dependência).
Ademais, os voluntários passaram por análises clínicas, que mediram a frequência cardíaca, a oximetria, a glicemia, a concentração do monóxido de carbono (CO) no ar exalado e o uso de álcool. Os resultados apontaram que, entre os usuários de vapes, havia alta concentração de cotinina na saliva.
Também foram identificados 342 metabólitos salivares (compostos resultantes do metabolismo de substâncias na saliva), mas foram considerados para a análise apenas 101 encontrados em, pelo menos, 70% das amostras.
Destes, 61 eram usuários exclusivos de vape, enquanto 40 compostos eram compartilhados entre os dois grupos. Com isso, sete biomarcadores foram identificados: quatro se mostraram específicos e aumentaram no grupo que usa cigarros eletrônicos (ácido esteárico, ácido elaídico, valina e ácido 3-fenilático) e três foram compartilhados entre os grupos (galactitol, glicerol 2-fosfato e glucono-1,5-lactona).
“A identificação desses metabólitos é importante porque eles podem se tornar potenciais biomarcadores para a detecção precoce de alterações de saúde. Ainda não temos bem estabelecido na literatura científica qual é o impacto dessa alteração na saúde, mas sabemos que está relacionado a questões inflamatórias, metabolismo de substâncias químicas estranhas ao corpo (como drogas ou toxinas) e aos efeitos da queima de biomassa”, explica Almeida.
Isso significa que vias inflamatórias específicas ligadas à doença periodontal, por exemplo, podem ser induzidas por cigarros eletrônicos.
A pesquisa constatou que o fluxo salivar dos usuários de vapes tinha uma tendência à diminuição em relação ao grupo-controle, o que pode estar relacionado à presença de substâncias como propilenoglicol e glicerina nos aromatizantes. Essas substâncias irritam as vias aéreas superiores e causam ressecamento das mucosas.
Não para por aí: os resultados também apontam uma baixa viscosidade da saliva entre os usuários de vape, sendo que essa característica desempenha um papel crucial na proteção e hidratação da mucosa bucal.
“A redução do fluxo salivar favorece a formação de biofilme, que é a película que se forma quando não fazemos a higiene adequada dos dentes, favorecendo o surgimento de doenças relacionadas à boca, como as lesões de cárie”, alerta a pesquisadora.
Já exame físico, aqueles que usam vapes apresentaram maior nível de monóxido de carbono exalado e menor saturação de oxigênio do que o grupo-controle.
“Esse dado é muito importante porque a redução da oximetria significa que há menos oxigênio carreado no sangue pelas hemoglobinas. E o aumento do monóxido de carbono exalado também é um parâmetro muito importante”, avalia.
Os jovens que usavam cigarros eletrônicos relataram também altas taxas de consumo de álcool: 76% dos participantes relataram uso concomitante dos dois produtos, enquanto 52% afirmaram que o consumo de álcool aumentou sua frequência de uso de vapes. Como já se sabe, o consumo de bebidas alcoólicas e o tabagismo são fatores de risco para várias doenças, entre elas, o câncer de boca.
“O álcool atua na membrana celular, deixando a mucosa mais permeável e suscetível à ação das substâncias nocivas”, diz a professora.
Por fim, o estudo aponta que apenas 24% dos participantes eram ex-fumantes de cigarro convencional; os voluntários fumavam cigarros eletrônicos por, pelo menos, 2,13 anos (sendo que 52% usaram os dispositivos diariamente e 60% de sete a dez vezes por dia); os cigarros com sabores frutados e doces eram os mais consumidos, seguidos por sabores mentolados.