A noção de “calorias que entram versus calorias que saem” deveria ser considerada, no mínimo, simplista demais. Alimentos afetam nossos corpos de formas diferentes e passam por caminhos metabólicos diferentes. Não apenas isso, mas os alimentos que ingerimos podem afetar diretamente os hormônios que regulam quando e quanto comemos. Assim, os tipos de alimentos em que baseamos nossa dieta são tão importantes quando a quantidade de calorias que ingerimos.
O que é uma Caloria?
Vamos definir rapidamente o que “caloria” quer dizer, para que isso fique bem claro:
Uma caloria é uma medida de energia. “Uma caloria é a quantidade de energia necessária para aumentar a temperatura de 1 grama de água em 1 grau Celsius.”
A medida oficial de energia é i Joule. 1 caloria equivale a 4184 joules. O que geralmente nos referimos como “calorias” é na verdade quilocalorias (kcal).
Uma quilocaloria, ou uma Caloria de dieta é a energia necessária para aquecer 1 quilograma de água em 1 grau Celsius.
Uma Caloria de dieta (quilocaloria) equivale a 4184 joules.
Mas o que “energia” quer dizer?
“Energia é a capacidade de um sistema trabalhar.”
O corpo humano precisa de energia para se mover, respirar, pensar, contrair o coração, manter os gradientes elétricos nas membranas das células, etc.
Em um nível molecular, o corpo funciona com um conjunto enormemente complexo de reações químicas. Essas reações químicas requerem energia, que é onde entram as calorias.
Em Resumo: Uma Caloria de dieta é a quantidade de energia necessária para aquecer 1 quilograma de água em 1 grau Celsius. O corpo usa energia (calorias) para criar reações químicas.
O Que “Calorias Que Entram, Calorias Que Saem” Quer Dizer?
De acordo com o modo de pensar “calorias que entram, calorias que saem”, a obesidade é uma simples questão de ingerir calorias demais, e o inverso seria ingerir poucas calorias. Proponentes disso frequentemente dizem que os tipos de alimentos que você come não são muito importantes, que a contribuição calórica dos alimentos é a chave.
Eles dizem que a única forma de perder peso é comer menos, se mover mais e que é a responsabilidade de cada indivíduo manter as calorias balanceadas. Um quilo de gordura é 7700 calorias. Se você ingerir 500 calorias menos do que você queima por dia, após uma semana você terá perdido cerca de meio quilo de gordura. Disso vem “uma caloria é uma caloria” – a ideia de que todas as calorias são criadas iguais, não importa de que alimentos elas venham.
Mesmo que seja verdade que o sobrepeso e obesidade seja causada por excesso de calorias e perda de peso causada por um déficit de calorias, essa é uma simplificação exagerada e drástica que está errada. Esse conceito, embora essencialmente correto na matemática, está errado na prática.
O fato é que diferentes alimentos podem ter efeitos muito diferentes em nossos corpos e passam por caminhos metabólicos diferentes antes de se tornarem energia. Apenas se focar no conteúdo calórico de alimentos e dispensar os efeitos metabólicos que eles têm é uma forma falha de pensar.
Em Resumo: Proponentes da forma de pensar “Calorias que entram, Calorias que saem” dizem que a única coisa que importa no que diz respeito a perda de peso são as calorias, dispensando completamente o impacto hormonal e metabólico dos alimentos.
“Calorias Demais” Não Nos Diz Muito
A quantidade de energia que ingerimos e que gastamos importa. Ela é de extrema importância. A primeira lei da termodinâmica nos diz que a energia não pode ser destruída, ela pode apenas mudar de forma. Então se a energia que está entrando no corpo é maior que a energia deixando o corpo, o corpo irá armazenar a energia, geralmente como gordura.
Se ingerimos mais energia (calorias) do que gastamos, ganhamos peso. Se gastamos mais energia do que ingerimos, perdemos peso. Essa é uma lei da física inquebrável e não é nem sequer discutível.
Entretanto… esse fato não os diz nada sobre POR QUE isso está acontecendo. Uma pessoa que ganhou peso é igual a uma pessoa que come mais do que gasta.
Vamos ver uma analogia simples…
Imagine que a entrada de um cinema está cheia de pessoas. Essas pessoas estão lá porque vão assistir um filme muito popular que acabou de ser lançado.
Se você perguntar… “por que essa entrada está cheia de pessoas?” e alguém responder com “porque tem mais pessoas entrando do que saindo” — você acharia essa uma resposta ridícula, certo?
Isso não te diz nada sobre a causa da entrada estar cheia, simplesmente está dizendo o óbvio. Dizer que ganho de peso é causado por excesso de calorias é tão ridículo quanto dizer que a entrada está lotada porque mais pessoas estão entrando do que saindo.
A próxima questão lógica seria… por que as pessoas estão comendo mais?
É uma consequência de uma série de decisões lógicas comer um pouco mais e se exercitar um pouco menos, ou é uma coisa em nossa fisiologia que está causando isso… como hormônios? Se é um comportamento que está causando o aumento na ingestão de calorias (ganho de peso) o que está causando esse comportamento?
O fato é que todos os nosso pensamentos, desejos e ações são controlados por hormônios e circuitos neurais. Dizer que é “gula” ou “preguiça” que está causando o aumento da ingestão de calorias dispensa totalmente os complexos processos fisiológicos que controlam nosso comportamento e como os alimentos que comemos afetam esses processos.
Em Resumo: Dizer que o ganho de peso é causado pelo excesso de calorias é verdade, mas sem sentido. Isso não te diz nada sobre a causa.
Alimentos Diferentes Afetam Nossos Hormônios de Formas Diferentes
Em minha opinião, uma das maiores ilusões da nutrição e pensar que todas as calorias são criadas iguais. Macronutrientes diferentes (proteínas, gorduras e carboidratos) passam por caminhos metabólicos diferentes.
Vamos ver isso com dois exemplos… frutose e proteína.
Frutose
Frutose, quando entra no fígado a partir do trato digestivo, pode ser transformada em glicose e armazenada como glicogênio. Mas se o fígado está cheio de glicogênio, ela pode ser transformada em gordura… que então é mandada para fora ou se aloja no fígado.
Consumida em excesso, ela pode causar resistência à insulina, o que aumenta os níveis de insulina no corpo todo. Insulina leva ao ganho de gordura. A frutose também não é registrada da mesma forma que a glicose e não impacta a saciedade da mesma forma. A frutose não diminui o hormônio da fome grelina.
Então… 100 calorias de frutose pode aumentar sua insulina a longo prazo, levar a níveis mais altos de grelina e aumento de apetite.
Proteína
Então você tem 100 calorias de proteína. Cerca de 30% das calorias na proteína será gasta na sua digestão, porque o caminho metabólico requer energia. A proteína também pode aumentar os níveis de saciedade e aumentar a taxa metabólica. Essa proteína pode até ser usada para construir músculos, que são tecidos metabolicamente ativos que queimam calorias o tempo todo.
Claramente… 100 calorias de frutose terão um efeito completamente diferente no corpo de 100 calorias de uma proteína de qualidade. Uma caloria NÃO é apenas uma caloria. Assim, a frutose causará uma maior ingestão de energia comparada à proteína, através de seus efeitos em hormônios, corpo e cérebro.
Beber uma lata de refrigerante todos os dias por 5 anos terá um efeito muito diferente no corpo e no equilíbrio de energia a longo prazo, comparado a comer as mesmas calorias de ovos.
Algumas pessoas dizem que “qualquer” alimento pode ser prejudicial em excesso. Bem… não é bem assim. Tente comer brócolis em excesso, ou ovos. Você se sentirá satisfeito muito rápido e não irá querer outra mordida. Compare isso a um alimento como sorvete, que é muito fácil de consumir em grandes quantidades.
Em Resumo: Alimentos diferentes passam por caminhos metabólicos diferentes. Alguns alimentos podem causar mudanças hormonais que encorajam ganho de peso, enquanto outros podem aumentar a saciedade e aumentar a taxa metabólica.
Diferentes Proporções de Macronutrientes Afetam o Apetite
Mudar seus macronutrientes pode afetar seu apetite de forma dramática. O melhor exemplo disso é visto em estudos comparando dietas com poucos carboidratos e com pouca gordura. Onde pessoas em dietas com poucas gorduras devem ter restrições de calorias para perder peso, pessoas em dietas com poucos carboidratos (e muita gordura e proteína) geralmente podem comer até se sentirem satisfeitos e ainda perder peso.
Estudos claramente mostram que há alguma coisa sobre a dieta com poucos carboidratos que diminui o apetite e faz com que as pessoas percam peso sem terem que controlar porções ou contar calorias. Nesses estudos, os pesquisadores precisam restringir ativamente as calorias nos grupos com poucas gorduras para tornar os resultados comparáveis, mas as pessoas que fazem dieta com poucos carboidratos ainda perdem mais peso.
Nesse estudo, o grupo de pouca caloria tem restrições calóricas enquanto o grupo de poucos carboidratos come até a saciedade: As pessoas que comem poucos carboidratos começam a comer menos calorias automaticamente, porque o apetite delas diminui. Esses estudos mostram que não há necessidade de se focar conscientemente em calorias para comer menos delas. Isso pode acontecer automaticamente, simplesmente mudando os tipos de alimentos que você come.
Em Resumo: Estar ciente da sua ingestão de calorias NÃO é necessário para perder peso, desde que você coma de certa forma. Cortar carboidratos enquanto aumenta a gordura e proteína comprovadamente leva a uma restrição calórica automática e perda de peso.
A Taxa Metabólica (Calorias Que Saem) Pode Mudar Dependendo do Que Você Come
Outra coisa para ter em mente é que dieta a longo prazo reduz sua taxa metabólica. Se você cortar a ingestão de calorias em 10%, isso só funcionaria por um tempo até que sua taxa metabólica se adapte e você pare de perder peso. Então você teria que cortar calorias de novo, e de novo…
O corpo tenta desesperadamente manter sua massa de gordura. Isso é chamado de ponto estabelecido de gordura corporal e é regulado pelo hipotálamo. Se você não mudar sua dieta, apenas a quantidade de alimentos que ingere, seu ponto estabelecido não mudará. Se seu peso cair abaixo do seu ponto estabelecido, seu cérebro responde diminuindo seu gasto calórica e aumentando sua ingestão de calorias.
Em Resumo: O corpo tenta resistir a mudanças nos níveis de gordura corporal ao aumentar a fome e diminuir o gasto calórico.
Talvez Entendamos as Coisas De Trás Pra Frente
A maioria das pessoas acredita que o aumento da ingestão de calorias está causando o ganho de peso. Mas e se entendemos as coisas de trás pra frente e o ganho de gordura cause o aumento da ingestão de calorias?
Quando um adolescente aumenta rapidamente sua altura, ele come mais calorias do que gasta. Ao invés de se tornarem gordura, as calorias são usadas para construir músculos, ossos, pele e órgãos.
Não é o aumento da ingestão de calorias que está causando o crescimento, mas hormônios, fatores de crescimento e processos psicológicos que estão causando o crescimento e o crescimento causa o aumento da ingestão de calorias. Isso faz sentido, certo?
E se a obesidade for similar? E se as calorias forem uma consequência do ganho de peso, não uma causa?
Da mesma forma que os músculos e ossos de um adolescente crescem por causa de hormônios, a massa gorda de uma pessoa obesa pode estar crescendo por causa de hormônios.
Um exemplo disso são medicamentos como alguns antidepressivos e anticoncepcionais, que frequentemente tem ganho de peso como efeito colateral. Não há calorias nesses comprimidos, mas eles alteram a fisiologia do corpo (cérebro e hormônios) para causar ganho de peso. Nesse caso, o aumento da ingestão de calorias é secundário à mudança hormonal.
Em Resumo: É possível que estejamos confundindo causa e efeito. Talvez não seja o aumento de ingestão de calorias que leve ao ganho de gordura, mas o ganho de gordura que leve ao aumento da ingestão de calorias.
O Comportamento Alimentar É Amplamente Subconsciente
Humanos não são robôs.Não andamos por aí e tomamos decisões sobre nosso comportamento baseadas em cálculos matemáticos. É contra nossa natureza. Tomamos decisões baseadas em nossas emoções, como nos sentimos e o que queremos fazer. A parte “lógica” do nosso cérebro frequentemente não tem muito controle sobre a parte do nosso cérebro que é regulada pelas emoções.
Alguns podem chamar isso de fraqueza, mas é apenas a natureza humana. Mudança de comportamento baseada em decisões lógicas e racionais podem frequentemente ser impossíveis. Já tomou a decisão de não tomar café após as duas da tarde? Sempre faz o dever de casa logo após chegar da escola? Dorme de tarde apenas aos domingos?
Fazer esse tipo de mudanças na sua vida é frequentemente muito difícil e o mesmo se aplica ao comportamento alimentar, como tomar a decisão de comer 500 calorias a menos por dia. Mesmo que alguns indivíduos altamente motivados sejam capazes de controlar sua ingestão de alimentos completamente (como atletas e fisioculturistas), isso não representa a população geral. Isso é muito difícil para a maioria das pessoas e especialmente para pessoas que tem tendência a ganhar peso.
Vamos usar a respiração como um exemplo de como é difícil “controlar” uma função fisiológica que é regulada pelo cérebro. Respirar é quase completamente subconsciente, embora você possa controlar sua respiração por um curto período de tempo se você conseguir se focar nisso.
Se você tomar a decisão de pular uma respiração a cada dez, você provavelmente pode fazer isso… mas apenas por alguns minutos. Então você irá se distrair e começará a fazer outra coisa.
Isso só é possível enquanto você está se concentrando nisso conscientemente… e mesmo que você faça isso, você pode inconscientemente compensar respirando mais fundo nas outras 9 respirações, ou você começará a se sentir desconfortável e parará de vez. Se você acha que esse é um exemplo ridículo que não se aplica à alimentação, está errado. A alimentação é controlada pelos mesmos mecanismos homeostáticos.
Algumas pessoas podem ser capazes de comer menos calorias conscientemente e conseguir isso com controle de porções e/ou contagem de calorias. Mas eles tem que fazer isso pela vida toda.
Em Resumo: O comportamento alimentar é amplamente subconsciente, controlado por hormônios e circuitos neurais. Pode ser impossível controlar esses tipos de comportamentos a longo prazo.
A Saúde Ideal Vai Muito Mais Longe Do Que Apenas Peso
Um dos problemas chave com o modo de pensar “calorias que entram, calorias que saem” é que ele não leva em conta os outros efeitos dos alimentos na saúde.
O fato é que alimentos diferentes podem ter efeitos diferentes na nossa saúde. Por exemplo, gorduras trans podem causar inflamação, resistência à insulina e todo o horror que segue, incluindo doença cardíaca e diabetes tipo II. Outro exemplo é a frutose. Quando consumida em grandes quantidades (de açúcares adicionados, não frutas), ela pode levar à resistência à insulina, colesterol e triglicérides elevados e aumento de obesidade abdominal. Há muitos exemplos de alimentos que tem efeitos prejudiciais que tem muito pouco a ver com conteúdo calórico.
Além disso, estar com um peso saudável NÃO garante que você está saudável, da mesma forma que estar obeso não quer dizer necessariamente que você não é saudável. Mesmo que esses problemas metabólicos sejam mais comuns em pessoas obesas, muitas pessoas obesas são metabolicamente saudáveis e muitas pessoas magras têm síndrome metabólica e podem sucumbir à doença cardíaca e diabetes tipo II.
Nutrição ideal e prevenção de doenças vai muito mais longe que apenas calorias.
Considerações Finais
Dizer que peso (ou saúde) é simplesmente uma função de “calorias que entram, calorias que saem” é completamente simplista.
É uma simplificação exagerada e drástica que não leva em conta os caminhos metabólicos complexos pelos quais os diferentes alimentos passam, ou os efeitos que os alimentos têm em nossos cérebros e hormônios.
Muito esclarecedor!
adorei o texto, aborda os principais pontos com uma linguagem bem clara e acessível, parabéns.
Muito interessante o artigo. Concordo totalmente!